Nota Conjunta dos Programas de Pós-Graduação em Educação, História e Letras sobre a Portaria n˚ 545, de 16 de junho de 202: cotas de ações afirmativas na pós graduação

Junho 23, 2020

Nota Conjunta dos Programas de Pós-Graduação em Educação, História e Letras sobre a Portaria n˚ 545, de 16 de junho de 2020, sobre as cotas de ações afirmativas na pós graduação


Os Programas de Pós-Graduação do Instituto de Ciências Humanas e Sociais, PPGHIS, POSLETRAS e PPGE, vêm a público manifestar-se sobre a portaria ministerial que pretende revogar as ações afirmativas na pós-graduação, afirmando nosso compromisso com a continuidade dessas políticas.
Em seu último ato, como quem deixa a cena de uma ópera bufa ou de teatro de revista, o ex-ministro Abraham Weintraub pretendeu revogar a portaria normativa que garantiu a instituição das ações afirmativas para negros, indígenas e deficientes na pós-graduação (Portaria Normativa no. 13, de 11 de maio de 2016). Pretendeu porque as associações e movimentos sociais já tomam medidas no sentido de revogar o último ato administrativo.
Contudo, no sentido de tranquilizar a comunidade acadêmica, especialmente estudantes diretamente engajados nesse processo de efetiva democratização da pós-graduação, é preciso lembrar que o ato não tem efeito algum sobre os processos seletivos em curso. Nem tampouco deverá ser pretexto para fomentar críticas internas infundadas às ações afirmativas – afinal, era essa a expectativa do histrião que deixa o ministério para, provavelmente, ganhar uma prebenda no Banco Mundial.
As ações afirmativas são produtos da ação decidida dos movimentos sociais, especialmente negros e indígenas, que encontraram ressonância no Estado. A Universidade também acolheu essa demanda e a manterá. Isso porque as ações afirmativas se amparam no exercício da autonomia universitária garantida na Constituição e na LDB. Autonomia que, lembremos, resultou da mobilização dos trabalhadores da educação nos anos 1980. Ao lembrarmos-nos disso, queremos marcar que dois movimentos substantivos da história da democracia brasileira confluem nesse momento.
Ao contrario do que os “teóricos” do governo supõem, democracia não é a “ditadura da maioria”. A essa concepção nefasta, que opera segundo a polaridade amigo/inimigo, praticamos outra mais complexa, por isso mais difícil de compreender e exercer, porém mais justa. Trata-se da prática democrática substantiva que foi se criando desde a derrota do nazi-fascismo e na desilusão crítica com o socialismo real. Prática que ampliou os limites da democracia liberal, promovendo maior participação da sociedade civil no Estado. Ela implica necessariamente o dissenso próprio à lógica adversarial do debate público, a igualdade na diferença e diversidade, o respeito integral às minorias políticas e a busca por superar as desigualdades econômicas. Nesse sentido, espaços autonômicos, isto é, auto-regulados segundo esses princípios e os parâmetros constitucionais, têm a prerrogativa de decidir e planejar suas ações. Assim, a manutenção das cotas nos programas de pós-graduação integra a cultura democrática que nos rege. E serão mantidas porque não se restringem a uma forma de inclusão, mas de transformação política interna e mudança epistemológica do conhecimento que a Universidade produz como contribuição para garantir e ampliar a democracia como modo vida.